Vinhos Varietais
Essa deveria ter sido a primeira matéria desse blog, eu sei, mas fui consumido pela paixão pelos espumantes e acabei enveredando por outros caminhos. Agora recupero meu débito com os leitores, principalmente os iniciantes, falando sobre aquela que deve certamente ser a primeira etapa de todos os interessados no mundo dos vinhos: os vinhos varietais. Antes, porém, é preciso que falemos um pouco sobre algo ainda mais fundamental: as uvas utilizadas na fabricação do vinho.
FAMÍLIA
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GÊNERO
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ESPÉCIE
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VARIEDADE
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Vitaceae
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Vitis
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vinifera
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Cabernet Sauvignon
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Merlot
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Chardonnay
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labrusca
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riparia
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...
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Da família das trepadeiras Vitaceae, as variedades do gênero botânico Vitis e espécie vinifera
produzem uvas com teor de açúcar e elementos ácidos em condições de produzir
vinhos de qualidade. Existem mais de cinco mil variedades dessa espécie, tintas
ou brancas, das quais cerca de sessenta a setenta são usadas para fazer os
principais vinhos do mundo, chamados de “vinhos finos”. As demais espécies de
uvas (tais como a Vitis labrusca) são
normalmente utilizadas como uvas de mesa, para serem comidas in natura, ou na
fabricação de vinhos inferiores ou sucos.
Florescimento da Vitis
vinifera
A produção de um bom vinho começa no vinhedo, pois
compreende a combinação harmoniosa de clima, solo e variedade de uva (também
chamada de “casta” ou “cepa”). As qualidades organolépticas (i.e. que são
perceptíveis aos nossos sentidos) de uma mesma variedade de uva, plantada em
regiões diferentes, podem variar muito, apesar de manter as mesmas
características gerais. Dessa forma, o solo onde a videira é plantada tem a
mesma importância que o clima na obtenção de uvas de qualidade. Normalmente, os
melhores vinhedos do mundo se encontram em solos superficialmente pobres,
secos, soltos e com boa drenagem. Há videiras plantadas até em praias, na
areia, como em Portugal, na região de Estremadura.
Vinhedo com sistema de condução
(suporte às videiras) em
“latada”. i. e., pergolado
Durante séculos da história da produção de vinhos, poucas
pessoas sabiam quais as variedades de uvas havia na bebida que estavam
consumindo. Nomes como Cabernet Sauvignon, Chardonnay, Merlot, Sauvignon Blanc
só ficaram famosos quando os produtores de fora da Europa (produtores de
“vinhos do Novo Mundo”, como Américas, Austrália, Nova Zelândia e Africa do
Sul) resolveram estampar os nomes das principais castas europeias em seus
vinhos.
Antes de esse fenômeno ocorrer, por volta de meados do
século passado, os produtores raramente colocavam os nomes das variedades em
seus produtos, optando sempre pelo nome das regiões junto ao nome da
propriedade. Assim, Beaujolais Abel Pinchard é um vinho feito na região de Beaujolais (uma região situada ao norte de Lyon, na França) pelo produtor Abel Pinchard. Então, o que
indicava a casta com a qual o vinho era feito era o nome da região (no caso, o Beaujolais é um vinho feito com a casta Gamay). A maioria
dos vinhos europeus (ditos “vinhos do Velho Mundo”) são ainda denominados dessa
forma.
Vinhedo com sistema de condução em “espaldeira”
Vinhos monovarietais (feitos, teoricamente, com apenas uma
casta) e blends (também ditos de corte, ou assemblage, ou assemblagem; feitos
com mais de uma casta) não são novidade. Duas das principais regiões produtoras
de vinho no mundo são os melhores exemplos dessas tradições. Os renomados
tintos de Bordeaux sempre foram feitos com cortes (misturas de espécies
diferentes de castas de uvas). Já os vinhos da Borgonha, outra clássica
zona vitivinicultora francesa, sempre fizeram seus tintos com uma única casta
tinta, a Pinot Noir.
Os vinhos varietais são feitos, portanto, majoritariamente
de uma única casta. A percentagem exata dessa casta no líquido final depende da
legislação do país. Por exemplo, para um vinho se denominar “varietal” no
Chile, ele deve possuir pelo menos 75% da casta que indica no rótulo. O mapa conceitual a seguir (clique para visualizar em tamanho aumentado) dá uma visão geral sobre o assunto:
Mapa conceitual sobre vinhos varietais
Esses vinhos são fundamentais no aprendizado sobre o mundo
dos vinhos, porque permitem que as pessoas percebam as diferenças que existem
entre as diversas variedades de uvas. Como falei, existem milhares de
subespécies de uvas. Algumas são naturais de alguns países (Portugal e Grécia,
por exemplo, possuem centenas de subespécies próprias, ou “autóctones”, como
são chamadas). Muitas dessas uvas naturais de um país foram levadas, no
decorrer dos séculos, para outros países. Algumas não se adaptaram, mas outras
conseguiram se adaptar às novas características geográficas, mostrando
qualidades diferentes das que tinham em sua terra de origem. Essas são as uvas
que chamamos de “uvas internacionais”. São as castas que são cultivadas em
vários países. Entre as brancas, podemos mencionar a Chardonnay, a
Gewürztraminer, a Sauvignon Blanc, a Riesling, a Chenin Blanc. Eentre as
tintas, são dignas de menção a Cabernet Sauvignon (quase um lugar comum entre
os tintos há alguns anos atrás), a Merlot, a Malbec, a Syrah, a Gamay, a
Tempranillo, etc. O mapa conceitual a seguir mostra as principais castas brancas e tintas (clique para aumentar):
Mapa conceitual com as principais variedades brancas e tintas
Algumas dessas uvas alcançaram sua expressão máxima, em
termos organolépticos, em uma região diferente de sua região de origem. Assim,
por exemplo, apesar de não ser originária da Argentina, a Malbec alcança sua
melhor expressão em vinhos argentinos, tanto que acabou virando um símbolo
desse país. Da mesma forma, a Carménère é um símbolo do Chile (por outro
motivo: só sobreviveu no Chile, após uma praga mundial do inseto Filoxera), a
Pinotage é o símbolo da África do Sul e a Tannat é o símbolo do Uruguai.
Na página Aromas e Varietais Brancas (clique aqui), descrevo as características de cada uma
das principais variedades de uvas, tais como aromas, sabores, características
dos vinhos produzidos por essas uvas e países ou regiões onde elas alcançam sua
melhor expressão. É preciso, contudo, que se diga algo sobre as descrições de
vinhos. Para descrever um vinho, muitas vezes usamos outros vegetais ou substâncias.
Assim, é comum dizer que um vinho possui aroma de ameixa, tabaco, morango,
pimenta do reino, etc. Isso ocorre porque nos vinhos existem mais de quinhentas
substâncias químicas. Mais de cento e cinquenta delas são puramente aromáticas.
Então, quando se diz que um Cabernet Sauvignon tem aroma de pimentão verde,
isso significa que ele tem metoxipirazina. Quando se diz que um Chardonnay nos
lembra maçã verde, é o propionato de etila que se está sentindo.
Bibliografia
Grizzo, A. "Puro ou misturado?". In: Revista Adega.